Segmentação de mercado: O antes e o depois da IA

Análise baseada no artigo de Rodrigo Magnago sobre por que a segmentação de mercado continua sendo uma disciplina analógica e estratégica, anterior à automação. O texto explica como pensamento multidimensional, hipóteses estruturadas e integração de dados sustentam decisões competitivas antes da IA.

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A segmentação de mercado continua sendo uma disciplina central para decisões estratégicas, mesmo em um cenário cada vez mais dominado por modelos generativos e ferramentas de automação. Antes da inteligência artificial, antes mesmo da lógica dos agentes autônomos, existe uma camada analógica, conceitual e estrutural que determina a qualidade da análise e a precisão do posicionamento. É essa camada, anterior à automação, que define se a IA servirá como um acelerador de inteligência ou apenas como um amplificador de ruído.

A partir deste ponto, a reflexão ganha densidade com base no artigo publicado na HSM Management por Rodrigo Magnago, executivo global com atuação em mercados da Ásia, Estados Unidos, América Latina e Europa, especialista em operações internacionais, modelos organizacionais e processos de decisão em ambientes complexos. Seu texto recupera uma disciplina frequentemente negligenciada, o pensamento estruturado que antecede a análise algorítmica, condição indispensável para que a segmentação gere vantagem competitiva e não apenas tabelas reorganizadas.

A camada anterior à IA, onde começa a segmentação real

O artigo destaca um ponto essencial, segmentação de mercado é, antes de tudo, um exercício analógico. Não é sobre qual ferramenta será utilizada, mas sobre quais hipóteses orientam a leitura de dados, quais variáveis sustentam a análise e qual entendimento multidisciplinar permite interpretar comportamentos de mercado. Magnago descreve a segmentação como um tensor, uma estrutura multidimensional que envolve dependências cruzadas, temporalidade e pesos distintos. Trata-se de um raciocínio complexo, que exige clareza e repertório, não apenas processamento.

Em mercados como o brasileiro, onde ainda há escassez de dados setoriais e inconsistências metodológicas, o desafio aumenta. Mesmo quando as empresas possuem ERP, CRM ou bases estruturadas, a normalização dos dados exige competências técnicas adicionais, conhecimento estatístico, técnicas de limpeza, sampling, modelagem dimensional e lógica de sistemas para evitar redundâncias e colineraridades. Essa etapa é intelectual e metodológica, não operacional.

A integração entre dados estruturados e desestruturados

O texto enfatiza que a segmentação contemporânea envolve camadas de dados qualitativos, sentiment analysis, informações de campo, gravações, dados minerados de terceiros e evidências não estruturadas que precisam ser convertidas em insumos confiáveis. O desafio não é apenas técnico, é epistemológico. Significa reduzir ruído, validar interpretações e transformar linguagem natural em estruturas capazes de dialogar com bases transacionais. Sem isso, a segmentação perde profundidade e se limita a descrições estáticas.

Uma segmentação séria plota múltiplas dimensões, dados de capital humano, maturidade tecnológica, histórico de ativos, elasticidade de preço, margens, movimentos de mídia, opinião pública e mapas de ecossistema. Essa visão revela oportunidades ocultas, clusters ignorados, falhas de posicionamento e assimetrias entre capacidade real e discurso comercial.

Competências que antecedem a automação

Magnago reforça que segmentação exige domínio técnico e intelectual, modelagem de datasets, uso de linguagens como SQL, Python ou R, estatística aplicada, clustering, análise de similaridade e capacidade de formular hipóteses robustas. Sem hipóteses, não há segmentação, há apenas organização de colunas.

Na era dos agentes, tecnologias podem complementar o processo, agentes de limpeza e normalização de dados, scraping, etiquetagem, clustering automatizado, análises de churn, reconciliação de bases e simulações competitivas. Em última camada, surge o RAG. Mas nada disso substitui a disciplina analógica que precede a automação. IA não compensa ausência de método.

A segmentação como responsabilidade de líderes multidimensionais

Um ponto crítico levantado no texto é que segmentação não é responsabilidade exclusiva da TI ou do marketing. Trata-se de um trabalho que pertence a líderes multidimensionais, capazes de transitar por estratégia, comportamento, dados, operação e finanças com naturalidade. Essa figura ainda é rara, e Magnago questiona se esses líderes existem na perspectiva analógica, antes da automação.

Muitas empresas tentam saltar diretamente da cultura subjetiva para a cultura algorítmica sem construir a cultura metodológica intermediária. É nessa ausência de musculatura conceitual que nascem os fracassos silenciosos em projetos de dados, IA e análise avançada.

Literatura, repertório e a escassez de pensamento estruturado

O artigo resgata autores que influenciaram essa disciplina, como Malcolm McDonald e Ian Dunbar em “Market Segmentation” e Peter Fader em “The Customer-Base Audit”, referências que combinam visão de mercado, modelagem matemática e leitura estratégica. Esses trabalhos mostram que segmentar exige prática, rigor intelectual e capacidade de síntese.

Magnago observa ainda que escolas de negócios tradicionais não preparam líderes para esse tipo de pensamento, desenhadas para formar gestores em trajetória ascendente, e não executivos que precisam operar em lógica multidimensional. É uma lacuna que se amplia na era do continuing learning, justamente quando a alta liderança mais precisa atualizar sua matriz de conhecimento.

Segmentação é pensamento, não ferramenta

A análise de Rodrigo Magnago reforça uma conclusão clara, segmentação antecede a IA. Antes dos agentes e das automações, existe uma camada de pensamento estruturado que exige disciplina, hipóteses, integração de dados e leitura multidimensional. É esse trabalho analógico que sustenta decisões estratégicas, direciona portfólios, define posicionamentos e antecipa movimentos competitivos.

Empresas que tentam substituir método por tecnologia criam dependência de modelos sem compreensão de contexto. Já aquelas que cultivam líderes capazes de integrar pensamento analógico e ferramentas avançadas constroem vantagem competitiva sustentável, porque entendem que IA não substitui clareza conceitual, apenas a acelera.