O que os executivos ainda entendem errado sobre a IA

Adotar IA não é o mesmo que se reinventar. O artigo analisa por que 95% dos projetos de inteligência artificial fracassam e mostra, com casos de Kodak, Fujifilm, Shutterstock e Walmart, como o verdadeiro diferencial competitivo está na reinvenção estratégica e na criação de novos ecossistemas de valor.

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Em meio à corrida tecnológica mais acelerada da história corporativa, um dado chama atenção: 95% dos projetos de inteligência artificial fracassam. O número, amplamente divulgado por pesquisas do MIT, revela que o problema não está na tecnologia em si, mas na forma como as empresas a compreendem. Grande parte das organizações trata a IA como um instrumento de eficiência, quando na verdade ela exige reinvenção profunda, de processos, modelos de negócio e até da própria estrutura de criação de valor.

A diferença entre adotar e reinventar

O erro mais comum entre líderes é confundir adoção com transformação. As empresas compram a tecnologia, mas mantém a mentalidade antiga. Incorporam sistemas de IA para otimizar tarefas, sem perceber que o verdadeiro ganho competitivo está em repensar o sistema inteiro, do modelo operacional à proposta de valor.

O caso clássico da Kodak ilustra esse equívoco. A companhia adotou a câmera digital, mas continuou operando sob o modelo de escassez do filme fotográfico, ignorando que o valor havia migrado para o compartilhamento e o armazenamento de imagens. Ao não investir nos novos complementos, plataformas, redes e serviços, destruiu o próprio motor de lucro. A Fujifilm, por outro lado, enxergou a mudança de paradigma e usou sua expertise em química e materiais para se reposicionar nos segmentos de saúde, cosméticos e tecnologia, transformando a ameaça em crescimento.

De ferramenta a ecossistema: o novo papel da IA

A lição é clara: o valor não está na tecnologia isolada, mas no ecossistema que ela cria. A Shutterstock entendeu isso ao ver o impacto da IA generativa sobre o mercado de bancos de imagem. Enquanto concorrentes tentavam barrar a tecnologia ou usá-la apenas para catalogar fotos, a empresa reformulou completamente seu papel. Passou de simples distribuidora de imagens a plataforma de governança, focada em confiança, autoria e direitos autorais.

Ao estabelecer parcerias com OpenAI e NVIDIA, e ao criar modelos de remuneração justos para criadores, a Shutterstock reconstruiu sua proposta de valor. Hoje, é referência em conteúdo seguro e licenciado para uso corporativo, redefinindo o equilíbrio de poder entre criadores, empresas e desenvolvedores de IA.

Quando a tecnologia redefine o poder

Toda disrupção tecnológica é também uma redistribuição de poder. O caso do varejo americano na adoção do código de barras nos anos 1970 evidencia isso. Kmart e Walmart implementaram a mesma tecnologia, mas com resultados opostos.
Enquanto a Kmart usou o código de barras apenas para acelerar o caixa, o Walmart entendeu seu potencial sistêmico. Construiu uma infraestrutura de dados via satélite, centralizou a logística e redefiniu a relação com fornecedores, transformando a cadeia de suprimentos em um diferencial competitivo.

A tecnologia foi a mesma, mas a arquitetura de negócio, como decisões são tomadas e o valor é distribuído, fez toda a diferença.

O risco de perseguir métricas erradas

Executivos que medem o sucesso da IA apenas pela velocidade de adoção correm o risco de construir o futuro com base em indicadores do passado. Projetos-piloto bem-sucedidos não garantem vantagem competitiva se não estiverem ancorados em um redesenho estratégico.
Reinventar significa questionar o que a empresa faz, como faz e, principalmente, onde o valor será criado daqui para frente. A IA não é uma ferramenta de eficiência, é um catalisador de mudança estrutural.

Reinventar antes de adotar

A história mostra que os vencedores não são os que adotam a tecnologia primeiro, mas os que a utilizam para reimaginar seus negócios. A Kodak e a Kmart fracassaram por aplicar as tecnologias certas aos problemas errados. A Fujifilm, a Shutterstock e o Walmart prosperaram porque entenderam o papel da reinvenção como alavanca de vantagem competitiva.

Empresas que tratam a IA apenas como eficiência digital estão condenadas a repetir o passado. As que enxergam a IA como instrumento de reconstrução de valor e cultura organizacional serão as que definirão o futuro. A transformação não começa com o algoritmo, mas com a capacidade de questionar o modelo mental que o utiliza.