O mito do ownership: Quando todos são “donos”, ninguém é responsável

O discurso do ownership ganhou força nas empresas, mas seu uso excessivo tem gerado confusão de papéis, sobrecarga emocional e falhas de governança. O artigo analisa por que autonomia sem estrutura esvazia a responsabilidade real e compromete a saúde organizacional.

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Nos últimos anos, o discurso do “pensamento de dono” ganhou espaço como símbolo de engajamento, autonomia e maturidade organizacional. Em teoria, a ideia parece virtuosa. Na prática, porém, quando aplicada sem critério, ela passa a gerar confusão de papéis, sobrecarga emocional e um perigoso esvaziamento da responsabilidade estrutural das empresas.

Esse debate é aprofundado em artigo publicado na HSM Management por Rennan Vilar, Diretor de Pessoas e Cultura do Grupo TODOS Internacional, que analisa como o uso indiscriminado do conceito de ownership tem transferido para o colaborador o peso do sucesso e do fracasso, sem a devida contrapartida em estrutura, clareza e suporte organizacional.

Quando autonomia vira abandono

O incentivo à autonomia deixa de ser saudável quando passa a substituir a liderança. Em muitas organizações, o discurso do protagonismo vem acompanhado de metas pouco claras, decisões descentralizadas sem alinhamento e baixa disponibilidade de apoio. O profissional é estimulado a “agir como dono”, mas não participa das decisões estratégicas nem controla variáveis críticas do negócio.

Esse desalinhamento gera responsabilização excessiva. Colaboradores passam a se sentir culpados por resultados que fogem à sua alçada, evitam pedir ajuda por receio de parecerem pouco comprometidos e operam sob tensão constante. Quando autonomia não vem acompanhada de estrutura, processos e liderança presente, ela deixa de fortalecer a cultura e passa a corroer a confiança e a segurança psicológica das equipes.

O custo invisível do excesso de ownership

O artigo alerta que esse modelo se torna ainda mais crítico em um contexto de aumento dos afastamentos por questões de saúde mental no Brasil. Vender protagonismo sem oferecer suporte não apenas compromete resultados, como expõe as pessoas a um nível de pressão incompatível com uma gestão responsável.

Protagonismo sustentável exige fronteiras claras. Cabe à organização definir prioridades, prover estrutura e assumir os riscos que lhe pertencem. Cabe ao profissional atuar com autonomia dentro desse sistema, não compensar suas falhas.

Responsabilidade compartilhada não é responsabilidade diluída

Na conclusão, Rennan Vilar reforça que a pergunta central não é se devemos incentivar mentalidade de dono, mas se o ambiente criado permite que essa mentalidade exista sem adoecer as pessoas. Culturas maduras são aquelas em que cada parte sabe exatamente o que é sua responsabilidade e o que não é.

Empresas não precisam de profissionais que se sintam donos de tudo. Precisam de lideranças presentes, estruturas funcionais e clareza de governança. Quando todos são chamados de donos sem que o poder e a responsabilidade sejam realmente compartilhados, o resultado é simples, ninguém responde por nada.