O Estuarine Mapping apresenta uma abordagem pragmática para avaliar a viabilidade de mudanças em ambientes complexos. Baseado em energia e tempo, o modelo substitui o planejamento idealizado por estratégias realistas, fortalecendo governança, adaptação e clareza estratégica.
No ambiente corporativo contemporâneo, mudanças estratégicas raramente seguem trajetórias lineares. Organizações enfrentam interdependências, pressões externas, ciclos curtos de decisão e variáveis que se alteram diariamente. Modelos tradicionais de planejamento, baseados em sequências previsíveis, deixaram de refletir a realidade. Nesse cenário, cresce a necessidade de frameworks que traduzam complexidade em ação prática, sem recorrer à ingenuidade do planejamento idealizado.
A partir do artigo publicado por Manoel Pimentel na HSM Management, Chief Scientific Officer da The Cynefin Co. Brazil e referência internacional em complexidade aplicada e agilidade organizacional, ganha relevância uma abordagem que vem transformando a forma como líderes avaliam mudanças possíveis: o Estuarine Mapping. Com carreira construída em consultorias globais e atuação pioneira na disciplina Agile Coaching, Manoel propõe um modelo que substitui o wishful thinking por diagnósticos energéticos e temporais que revelam, com precisão, o que pode ou não ser modificado em uma organização.
Do rio ao estuário, a metáfora que muda a lógica da transformação
Grande parte dos modelos corporativos opera sob uma metáfora linear, a de um rio que parte de um ponto A e segue até um ponto B. Na prática, porém, empresas se comportam muito mais como estuários, ambientes onde forças internas e externas colidem, gerando fluxos imprevisíveis e multidirecionais. Recursos, decisões, restrições regulatórias, concorrência e dinâmicas culturais interagem de forma simultânea, alterando condições que nenhum plano linear consegue antecipar.
Nesse contexto, o Estuarine Mapping introduz uma mudança de paradigma. Em vez de definir um estado final rígido e perseguir esse destino a qualquer custo, líderes passam a navegar a partir da energia disponível, entendendo limites, restrições e caminhos possíveis. A pergunta central deixa de ser “onde queremos chegar” e passa a ser “o que é viável modificar com a energia e o tempo que temos agora”.
Energia e tempo, os dois eixos que revelam a viabilidade real de mudança
A força do Estuarine Mapping está em sua simplicidade. Cada mudança estratégica é posicionada em dois eixos: energia e tempo. Energia representa o esforço político, humano e estrutural necessário para alterar um elemento organizacional. Tempo representa o horizonte até que a mudança possa ser implementada, absorvida e estabilizada.
Somente quando energia e tempo são avaliados de forma integrada torna-se possível entender se uma transformação é:
- Realizável de imediato
- Viável com influência e capital político
- Improvável no horizonte atual
- Ou já emergente, dispensando intervenção
O mapa expõe o terreno real da mudança, substituindo discursos vagos por diagnósticos objetivos.
As zonas estratégicas que revelam onde cada mudança realmente está
Ao posicionar processos, políticas, comportamentos ou sistemas dentro do mapa, quatro zonas críticas emergem.
Zona Contrafactual
Representa mudanças praticamente impossíveis, no horizonte atual. Exemplos incluem regulações obrigatórias, sistemas legados estruturais ou padrões culturais profundamente enraizados. A ação correta não é insistir na mudança, e sim monitorar e navegar ao redor dessas restrições.
Zona Volátil
Actantes que mudam facilmente e rapidamente. Apesar de parecerem vitórias simples, podem gerar instabilidade se forem críticos para o negócio. Taxas de câmbio, ciclos táticos de concorrentes ou ruídos de mercado residem aqui.
Zona Liminar
Mudanças difíceis, porém possíveis com o patrocínio certo. Exigem influência política, articulação de stakeholders e narrativa estratégica. Orçamento anual, estruturas de carreira e políticas centrais normalmente se encontram nessa zona.
Zona de Energia Negativa
Mudanças que já estão ocorrendo de forma espontânea, sem intervenção da liderança. Podem ser tendências tecnológicas, exigências ESG emergentes, novos padrões de consumo ou comportamentos internos que ganharam tração orgânica. A pergunta deixa de ser “como mudar isso” e passa a ser “devemos amplificar ou frear esse movimento?”.
Da abstração à ação, como o mapa transforma estratégia em escolha concreta
Um dos maiores impactos do Estuarine Mapping é criar convergência entre estratégia e execução. A técnica obriga líderes a negociar percepções e reconhecer que cada mudança implica custos reais. Em vez de listas idealizadas, surgem portfólios de ações que são politicamente, energeticamente e temporalmente possíveis.
A co-criação torna-se concreta.
A liderança passa a discutir termos específicos, como alterar sistemas de bônus, transformar processos ou rever políticas, e não mais expressões genéricas como inovação ou agilidade.
O benefício organizacional, energia alocada onde faz sentido
Organizações que utilizam o Estuarine Mapping relatam ganhos significativos de clareza e eficiência estratégica. Em vez de financiar grandes programas de transformação que consomem toda a energia da estrutura, passam a priorizar microintervenções, experimentos seguros e ajustes contínuos.
Essa lógica reduz risco, diminui desperdícios e fortalece a capacidade adaptativa da organização. O mapa evidencia onde insistir, onde influenciar, onde monitorar e onde simplesmente não investir.
A mensagem final é contundente: o Estuarine Mapping não promove mudança idealizada, promove mudança possível. Em mercados complexos, essa diferença determina quem avança e quem se esgota tentando lutar contra a maré.