Isso não é “alta performance”: A cultura do excesso está nos adoecendo?

A cultura da exaustão ainda é tratada como sinônimo de produtividade, mas seus efeitos silenciosos estão adoecendo profissionais e enfraquecendo empresas. O artigo propõe uma nova visão de alta performance, baseada no equilíbrio entre metas e bem-estar, e no papel das lideranças em promover ambientes sustentáveis e saudáveis.

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Alta performance não nasce do excesso, nasce do equilíbrio entre metas desafiadoras e respeito à saúde de quem entrega os resultados.

O mito da alta performance e a normalização do excesso

Segundo levantamento do Instituto Ipsos, realizado a pedido do Nubank e da matéria publicada na hsm Management , os brasileiros passam cerca de 43 anos da vida adulta ocupados com atividades essenciais e responsabilidades compulsórias. São 74% da vida dedicados ao cumprimento de demandas, sendo 30% para o sono, 23% para o trabalho remunerado, 15% aos cuidados com casa e família e 7% aos deslocamentos.

O dado é revelador. Ele mostra como o trabalho ocupa uma parte desproporcional da vida moderna e, em muitos casos, é dominado por uma lógica de excesso que ainda é confundida com alta performance. A cultura da exaustão se disfarça de produtividade, e o esforço extremo, em vez de exceção, torna-se regra. É um modelo que romantiza jornadas intermináveis, metas inalcançáveis e o sacrifício constante como sinônimo de mérito.

Os impactos invisíveis do excesso

Esse tipo de ambiente pode até gerar entregas rápidas no curto prazo, mas sempre cobra um preço alto. A médio e longo prazo, o custo é o adoecimento físico e emocional, o aumento de burnout, a desmotivação e a perda de talentos estratégicos. E quando as pessoas adoecem, as empresas também perdem, com queda de produtividade, alta rotatividade e deterioração do clima organizacional.

Um exemplo recente evidenciou esse risco. Uma grande companhia brasileira realizou demissões em massa com base em dados de produtividade digital, medindo cliques, tempo de tela e janelas abertas, sem considerar metas atingidas ou qualidade das entregas. Esse episódio escancarou o perigo de confundir controle com performance e tecnologia com gestão humana. Quando reduzimos pessoas a métricas, eliminamos o que há de mais essencial no trabalho: o valor humano.

O excesso não fortalece, enfraquece, pois mina energia, criatividade e engajamento, justamente os elementos que sustentam qualquer cultura de alta performance genuína.

A responsabilidade das lideranças e do RH

Transformar esse cenário exige lideranças que saibam diferenciar dedicação de sacrifício. Cabe ao RH e aos gestores o papel de redesenhar a cultura de performance, com metas realistas, foco em qualidade e reconhecimento do equilíbrio como parte do processo produtivo.

Não se trata apenas de criar políticas formais, mas de um compromisso diário: dar o exemplo, respeitar limites, valorizar pausas e incentivar o descanso como parte da entrega. Liderar com responsabilidade é entender que ninguém deve precisar se esgotar para provar valor.

Essa responsabilidade, porém, também é individual. Cada profissional precisa desenvolver autoconhecimento para reconhecer quando o excesso começa a cobrar seu preço. Em um país com altos índices de afastamento por transtornos mentais, manter o equilíbrio é um ato de resistência e de consciência. O trabalho deve ser parte da vida, não o substituto dela.

Alta performance nasce do equilíbrio

Não há contradição entre performance e bem-estar, pelo contrário, uma sustenta a outra. Quando as metas são desafiadoras, mas respeitam a individualidade, quando há investimento em saúde mental e confiança nas relações, os resultados se tornam sustentáveis.

O desafio das organizações é abandonar de vez a crença de que exaustão é sinônimo de comprometimento. Alta performance verdadeira nasce do equilíbrio, quando as pessoas têm clareza de propósito, espaço para respirar e condições reais de entregar o melhor. Esse é o caminho para culturas fortes, resultados consistentes e lideranças que colocam a humanidade no centro da estratégia.