Gerenciando a incerteza: Como líderes constroem confiança em tempos de volatilidade global

Análise baseada em estudo de Sandra J. Sucher, da Harvard Business School, e David M. Bersoff, do Edelman Trust Institute, sobre como líderes podem construir confiança em tempos de incerteza econômica. O artigo apresenta três estratégias para reduzir a ansiedade dos stakeholders, aumentar previsibilidade e fortalecer relações corporativas.

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A intensificação da incerteza econômica, comercial e regulatória tem redefinido o ambiente competitivo e pressionado empresas de todos os setores a revisarem seu modo de operar. Em um cenário marcado por volatilidade e assimetria de informações, líderes enfrentam o desafio de preservar a confiança de clientes, funcionários, fornecedores, acionistas e comunidades enquanto tentam manter estabilidade interna e proteger resultados de curto prazo. Nesses contextos, a capacidade de reduzir ansiedade, oferecer previsibilidade e fortalecer relações se torna uma competência central de liderança.

A partir deste ponto, a análise ganha profundidade com base no artigo publicado na Harvard Business Review por Sandra J. Sucher, professora de gestão na Harvard Business School e coautora de The Power of Trust, e David M. Bersoff, chefe de pesquisa do Edelman Trust Institute. Com décadas de estudo sobre confiança corporativa e comportamento das partes interessadas, os autores demonstram, por meio de dados e exemplos concretos, como líderes podem se tornar fontes de segurança em ambientes de incerteza elevada e, ao fazer isso, ampliam não apenas a resiliência das organizações, mas também sua capacidade de capturar valor na recuperação.

A incerteza como componente estrutural da economia atual

Os autores destacam que 2025 marca um dos períodos mais incertos das últimas três décadas. Economistas ouvidos pelo Fórum Econômico Mundial classificam o nível de incerteza como muito alto, e o Índice de Incerteza da Política Econômica atingiu seu pico histórico. Nesse ambiente, empresas tendem a adotar comportamentos defensivos, como corte de custos e acumulação de caixa. Porém, quando essa postura se torna excessivamente interna, cria uma lacuna entre a empresa e seus stakeholders exatamente no momento em que essa conexão deveria ser reforçada.

Dados do Edelman Trust Institute ilustram a intensidade da ansiedade atual. Consumidores temem inflação, tarifas e escassez de produtos, funcionários receiam perder poder de compra e serem substituídos por automação, e fornecedores enfrentam cadeias de suprimentos instáveis e decisões abruptas por parte das empresas. O resultado é uma pressão crescente para priorizar relacionamentos confiáveis e abandonar aqueles percebidos como arriscados ou indiferentes às suas necessidades.

Por que construir confiança é uma resposta estratégica em tempos incertos

Os autores argumentam que, em vez de concentrar esforços exclusivamente na preservação interna, líderes devem compreender como a incerteza se manifesta na vida de seus stakeholders. Esse diagnóstico permite criar espaços de segurança, reduzir tensões e fortalecer vínculos que sustentam o desempenho organizacional.

As evidências mostram que confiança se traduz diretamente em receita, fidelização, engajamento e capacidade de resposta. Em momentos de turbulência, stakeholders valorizam empresas que oferecem previsibilidade e clareza, mesmo que temporárias, e penalizam aquelas que parecem distantes, fechadas ou excessivamente absorvidas por seus próprios problemas.

Tornar-se uma fonte de previsibilidade

Previsibilidade é a base da confiança. Ela reduz incertezas e cria um senso de ordem em contextos onde relações de causa e efeito parecem romper. O caso do banco Kaspi, no Cazaquistão, ilustra esse princípio. Em 2014, após rumores de falência, o banco enfrentou uma corrida de clientes às agências. Em vez de restringir saques, o Kaspi ampliou o acesso, removeu limites, isentou taxas, manteve as agências abertas por 72 horas e levou suas lideranças para enfrentar a situação ao lado dos funcionários.

O CEO, Mikhail Lomtadze, adotou comunicação baseada em fatos e transparência. O resultado foi uma reversão completa da crise, com o banco não apenas recuperando depósitos, mas atraindo novos clientes. Anos depois, o Kaspi transformou essa confiança em expansão para fintech, marketplace e plataforma de pagamentos, consolidando-se como um dos maiores IPOs da Bolsa de Londres em 2021.

Tornar-se uma fonte de certeza

Mesmo quando incertezas sistêmicas não podem ser eliminadas, líderes podem criar pontos de clareza por meio de informações estruturadas, compromissos transparentes e diálogo contínuo. O exemplo da Honeywell durante a crise de 2008 demonstra isso. Seu CEO, Dave Cote, contatou fornecedores, compartilhou expectativas de pedidos futuros e ofereceu previsibilidade em meio ao caos. Em troca, os fornecedores priorizaram a empresa quando a demanda voltou, permitindo que a Honeywell reagisse antes dos concorrentes.

Durante a pandemia, Clark Twiddy, CEO da Twiddy & Co., adotou uma lógica semelhante. Organizou assembleias virtuais semanais, trouxe especialistas externos para esclarecer dúvidas e expôs de forma transparente o que a empresa sabia e o que ainda era incerto. Essa abordagem sustentou confiança, manteve a operação ativa e preservou empregos, permitindo que a empresa crescesse rapidamente quando o mercado reabriu.

Tornar-se uma fonte de estabilidade

A última estratégia envolve absorver parte dos custos da incerteza em vez de repassá-los integralmente. Isso exige maturidade financeira, clareza de prioridades e visão de longo prazo. O caso clássico é novamente a Honeywell, única entre grandes fabricantes que optou por licenças não remuneradas, e não demissões, durante a crise financeira global. A medida preservou a força de trabalho e evitou a perda de profissionais-chaves essenciais, impulsionando o desempenho na recuperação e superando concorrentes como a GE.

Criar estabilidade também significa manter preços quando possível, ajustar margens de forma estratégica e proteger funcionários mais vulneráveis. Essas decisões não eliminam incertezas, mas reduzem impactos imediatos e fortalecem relações que sustentam vantagem competitiva.

Criando confiança sem perder flexibilidade

As empresas precisam equilibrar responsabilidade e prudência. Promessas excessivas podem comprometer a operação, enquanto compromissos transparentes e prazos ajustáveis permitem mitigar incertezas sem perder capacidade de reação. O histórico de integridade e consistência é o elemento central, pois confiança construída ao longo do tempo amplifica o efeito das ações realizadas em momentos críticos.

A confiança como ativo competitivo

O estudo reforça que gerar segurança não significa resolver desafios sistêmicos, e sim reduzir a incerteza que afeta os stakeholders no presente. Empresas que fortalecem relações durante crises ampliam sua resiliência e saem da incerteza em posição superior. A Twiddy & Co. mostra isso claramente, já que, com alta retenção, conseguiu capturar a demanda reprimida após a reabertura, garantindo ocupação total e expansão acelerada.

Confiança é uma estratégia de longo prazo

O trabalho de Sandra J. Sucher e David M. Bersoff demonstra que a incerteza expõe fragilidades, mas também revela um caminho de fortalecimento para líderes e organizações que escolhem atuar como fontes de previsibilidade, certeza e estabilidade. Ao compreender a ansiedade dos stakeholders e reduzir suas pressões imediatas, líderes ampliam a credibilidade, protegem relacionamentos essenciais e preservam condições para retomadas mais rápidas e sustentáveis.

Para empresas que desejam navegar a volatilidade com clareza, confiança não é um discurso, é método. E, em tempos incertos, é também uma das estratégias mais eficazes para sustentar resultados, reforçar a governança e construir vantagem competitiva duradoura.