No varejo que se desenha, liderar não é apenas administrar — é antecipar, interpretar e formar times prontos para um consumidor que já sabe o que quer.

A revolução da Inteligência Artificial Generativa chegou ao varejo — e não de forma sutil. Em um cenário em que a atenção do consumidor é escassa e a competição entre marcas, intensa, a GenAI está redefinindo profundamente a maneira como produtos são descobertos, avaliados e comprados. O que antes era uma jornada fragmentada entre sites, pesquisas, filtros e comparações, hoje pode ser conduzido com um único comando: “Preciso de um tênis para corrida, leve e adequado para piso de asfalto”.
Essa nova realidade é impulsionada por avanços em modelos de linguagem como o ChatGPT, que atuam como assistentes de compras personalizados, integrando dados contextuais, preferências individuais e avaliações em tempo real. A transição do clique para o comando não apenas transforma a jornada de compra, como também impõe às marcas — e, especialmente, às suas lideranças — uma revisão profunda de estratégias, capacidades e visão de futuro. Afinal, a tecnologia está pronta. A pergunta que se impõe é: as pessoas estão?
Neste novo ecossistema de consumo, as regras mudaram: a busca é conversacional, a descoberta é guiada pela intenção e o sucesso de uma marca depende da capacidade de seus líderes em integrar visão de negócio, inteligência de mercado e fluência digital. E é nesse ponto que a transformação tecnológica e a agenda executiva se encontram.
ChatGPT e a transformação da jornada de compra
Em abril de 2025, o ChatGPT incorporou oficialmente recursos de compras que permitem aos usuários receber recomendações personalizadas em categorias como moda, beleza, eletrônicos e artigos para o lar. Com essa atualização, a ferramenta deixou de ser apenas um chatbot informativo para assumir o papel de um verdadeiro consultor digital. O diferencial está na forma de interação: em vez de navegar por catálogos e aplicar filtros, o consumidor simplesmente descreve suas preferências ou necessidades em linguagem natural — e recebe, em poucos segundos, sugestões alinhadas ao seu perfil.
Esse processo é alimentado por um conjunto robusto de dados, incluindo avaliações de outros consumidores, comportamentos anteriores e informações contextuais. De acordo com a Vogue Business, essa nova funcionalidade marca uma inflexão no comportamento digital: o eixo da descoberta de produtos deixa de ser dominado por buscadores tradicionais ou marketplaces e passa a estar nas mãos de plataformas conversacionais com inteligência contextual.
Além das recomendações, o ChatGPT oferece comparações de preços entre varejistas, exibe imagens dos produtos e fornece links diretos para finalização da compra — tudo em um único ambiente de conversa. Para o consumidor, isso representa uma jornada mais fluida e eficiente, reduzindo significativamente o tempo entre a intenção e a decisão de compra, ao mesmo tempo em que aprofunda o nível de personalização.
A linguagem natural permite capturar preferências mais subjetivas, como estilo de vida, ocasião ou valores pessoais — elementos que dificilmente são filtráveis em plataformas tradicionais de e-commerce. A IA também justifica suas sugestões com base em dados objetivos, como similaridade com produtos bem avaliados, o que aumenta a confiança do consumidor. A experiência de compra se torna, assim, não apenas mais rápida, mas também mais relevante — e as marcas que compreenderem isso com antecedência terão uma vantagem estratégica.
Desafios e estratégias para marcas — e para suas lideranças
Se a GenAI eleva a experiência do consumidor, ela também impõe às empresas um novo patamar de exigência estratégica. Um dos principais desafios está na vitrine digital: com sistemas generativos oferecendo recomendações mais precisas e curadas, o número de opções exibidas ao usuário tende a ser muito menor. Estar entre as primeiras respostas de um modelo como o ChatGPT será decisivo para conversões — e dependerá de uma combinação entre tecnologia, conteúdo e clareza de posicionamento.
Mas há uma camada mais profunda nesse desafio: a capacidade de liderança para conduzir essa mudança. A visibilidade de uma marca dependerá da qualidade dos dados estruturados, da consistência dos atributos dos produtos, da clareza das descrições e da presença ativa em ambientes onde a conversa acontece. Nada disso se faz sem liderança preparada, com visão integrada entre marketing, tecnologia e experiência do cliente.
Isso inclui, por exemplo, repensar a estratégia de conteúdo. Em vez de palavras-chave genéricas, as marcas devem criar materiais que respondam às intenções reais do consumidor — o que exige sensibilidade de mercado, mentalidade de solução e capacidade editorial. As empresas que estão na dianteira dessa transformação já estão construindo seus próprios assistentes virtuais baseados em GenAI, reestruturando catálogos com dados legíveis por algoritmos e fortalecendo suas equipes com competências digitais críticas.
É aí que entra um novo tipo de executivo: fluente em tecnologia, mas centrado em gente; estratégico, mas orientado à ação. Um líder capaz de conectar transformação digital com relevância de marca. E que compreenda que, em um ambiente onde decisões são tomadas por conversas e sugestões, o capital humano é o diferencial que nenhuma inteligência artificial consegue replicar.
Exemplos de aplicação no varejo digital
O que parecia distante já está em curso — e o mercado começa a mostrar quem está liderando essa nova etapa. A varejista de moda Zalando, por exemplo, está desenvolvendo um assistente de moda baseado em GenAI, conforme divulgado pela Sigmoid. A ferramenta permite que os clientes descrevam suas preferências em linguagem natural — como “roupa para um casamento à noite” ou “look confortável para home office” — e recebam sugestões personalizadas com base em histórico de compras, estilo e tendências.
Essa aplicação tem impacto direto na experiência do consumidor e nas taxas de conversão. Ao reduzir o esforço de navegação e tornar a recomendação mais precisa, o assistente atua como um vendedor digital que aprende continuamente. O sistema se ajusta com base em dados em tempo real e feedbacks do cliente, criando um ciclo virtuoso de personalização e performance.
Outras marcas estão desenvolvendo soluções similares, integrando seus catálogos diretamente a plataformas como o ChatGPT ou criando APIs específicas para recomendação baseada em IA. O resultado é claro: a tecnologia não apenas suporta a operação — ela assume o protagonismo na relação entre marcas e consumidores. O desafio é garantir que esse protagonismo seja bem conduzido — e é exatamente aqui que a atuação estratégica de líderes preparados faz toda a diferença.
Liderar a transformação é mais do que entender a tecnologia — é entender de gente
A ascensão desses recursos personalizados vem moldando um novo perfil de consumidor — mais bem informado, objetivo e exigente. Essa transformação vai além do ambiente digital: ela atravessa as telas e chega ao varejo físico, onde o cliente já entra na loja com comparações feitas, preferências definidas e expectativas calibradas por assistentes de inteligência artificial.
Nesse cenário, o papel das lideranças comerciais torna-se ainda mais estratégico. O estudo deBernt Executive Intelligence 2025 revela que Comercial & Vendas será a área mais demandada pelas empresas em 2025, com 57,3% das organizações priorizando contratações nesse segmento. Esse dado não apenas confirma o peso da área no crescimento dos negócios, mas evidencia uma necessidade clara: formar líderes capazes de reposicionar suas equipes diante de um consumidor que já não aceita abordagens genéricas.
Mais do que bater metas, esses líderes precisarão construir times que atuem de forma consultiva, com domínio de dados, sensibilidade para interpretar o contexto e capacidade de oferecer valor real ao cliente — complementando, e não repetindo, o que ele já descobriu por conta própria. Isso exige revisão de estratégias, desenvolvimento de repertório técnico e alinhamento de discurso com uma nova lógica de consumo.
Em um ponto de venda onde o cliente já chega com um “briefing pronto” de suas necessidades, o diferencial competitivo será a qualificação técnica e relacional da equipe de atendimento — e isso começa com lideranças preparadas. Treinar times, atualizar métodos e incentivar a escuta ativa serão ações indispensáveis para manter a relevância.
A transformação do varejo não exige apenas tecnologia — exige preparo humano. E as organizações que colocarem o desenvolvimento de suas lideranças no centro da estratégia estarão mais prontas para transformar informação em confiança, inovação em relacionamento e conhecimento em resultado. No varejo do futuro, quem lidera com inteligência, lidera com vantagem.